Queda do Império Romano: iniciaremos na metade do século IV. O Império Romano era a principal potência mundial ao oeste da Índia. Tinha um exército grande, bem-disciplinado e uma orgulhosa tradição militar, arquitetônica e cultural. Roma era indiscutivelmente o centro da civilização ocidental.
Abaixo vamos conferir:
- A crise do Século III
- O Exército Romano
- Os Hunos
- Iniciando a grande migração
- Teodósio a era de ouro da Patrística
- Flávio Estilicão
- Sangue na Itália
- Invasões bárbaras
A Crise do Século III
A crise, que começou com o assassinato do imperador Alexandre Severo, estava no passado. Para o cidadão romano comum do ano de 350, o império estava firme e forte. As fronteiras estavam bem guarnecidas, os bárbaros estavam acomodados, a inflação estava controlada e as perseguições religiosas haviam passado.
Enquanto isso, além das fronteiras do Danúbio e do Rio Reno, os germânicos se desenvolviam cada vez mais: os guerreiros tribais vestidos em peles e com armas rústicas que as legiões enfrentaram na Batalha da Floresta de Teutoburgo, eram coisa do passado.
As tribos haviam se convertido em reinos e alguns reinos até mesmo em impérios. Cidades estavam sendo construídas, reinos estavam sendo forjados e a elite guerreira se aproximava cada vez mais do nível dos limítanes romanos. Os limítanes (limitanei) foram unidades militares do exército romano e sua função principal era a proteção das fronteiras, embora em muitos casos o seu trabalho fosse de mera contenção das tropas bárbaras, até a chegada de tropas melhor equipadas, como os comitatenses.
Os germânicos haviam criado uma sociedade razoavelmente desenvolvida além das fronteiras romanas, dominado a forja do ferro e tendo uma tradição de boa carpintaria e joalheria. Porém, parecia que Roma e os germânicos haviam chegado a uma espécie de acordo: ambos os lados pararam com as grandes invasões e, comunidades multiculturais se estabeleceram ao redor das guarnições de fronteira.
Tanto os romanos se germanizavam quanto os bárbaros se romanizavam e algumas tribos ocidentais chegaram até a fornecer soldados para as legiões, como os francos. De fato, boa parte dos limítanes eram ou mestiços ou auxiliares, e havia um número cada vez maior de generais bárbaros no exército romano. Assim, o exército estava cada vez mais dependente de auxiliares e Roma estava cercada de vizinhos cada vez mais fortes que tinham boa razão para se ressentir dela.
O pior de tudo era que a crise do século III havia comprometido a economia de forma aparentemente irreversível no panorama da época. A cadeia produtiva fora enfraquecida na base e, com o atrito interno ou externo constante, ela não tinha espaço para se recuperar. Ficava cada vez mais difícil custear o exército, com a economia estagnada e dinheiro saindo.
O Exército Romano
A maior parte das pessoas, ao imaginarem o exército romano, imaginam legionários com saias de couro, calçando sandálias de madeira, portando escudos retangulares e lanças. Tal visão não está errada, mas só corresponde à elite das legiões de Roma na época das Guerras Púnicas e durante o período do Principado.
O exército romano permaneceu largamente o mesmo por um bom tempo, devido à sua eficiência ímpar: o legionário das Guerras Púnicas seria praticamente o mesmo da alvorada do século III, ou seja, permaneceu praticamente o mesmo durante 3 séculos. Considerando que equipamentos bélicos e táticas geralmente só mudam quando deixam de ser eficientes, isso é um grande atestado ao perfeccionismo bélico romano: porém, nada dura para sempre.
As mudanças na estrutura militar romana começaram ainda no século III: em 212, o imperador Carácala decretou que todos os habitantes do império eram cidadãos romanos. O decreto teve um efeito drástico no exército ao acabar com a divisão entre auxiliários e legionários, oficialmente, não havia mais auxiliários, e membros de todos os cantos do império poderiam se inscrever nas legiões, não apenas italianos.
Se por um lado isso aumentou drasticamente a quantidade de recrutas disponíveis para as legiões, por outro também acabou com parte da coesão das legiões, que agora eram compostas por homens de vários povos diferentes, e diminuiu a participação de senadores em postos militares, assim começando a alienar a elite governante do exército.
O costume iniciado pelo imperador Sétimo Severo (197-211) de promover comandantes militares das fileiras também teve um efeito similar e aumentou o risco de motins e revoltas da parte de generais ambiciosos provincianos, sem muita lealdade à Roma, porém, também teve o efeito positivo de melhorar a competência militar do grupo. Outras mudanças relevantes que ocorreram durante o período foi o aumento do uso de cavalaria pelas legiões.
Por um lado, as legiões se tornaram menos confiáveis, sendo compostas por e até comandadas por vários povos submetidos à Roma. Por outro, elas tornaram o recrutamento muito mais fácil e simplificado, com isso facilitando a criação de novas legiões e a sua reposição, além de explorar melhor as diferentes tradições militares de cada povo submetido.
Mas um período de instabilidade começou após o assassinato do imperador Severo Alexandre em 235 nas mãos dos próprios homens, que se arrastou por 50 anos em que imperadores morriam, golpes de Estado eram quase anuais, uma série de pragas devastou o império e a linha do Reno foi rompida por invasores germânicos, tudo de uma vez.
O Império Romano sofreu grandes perdas populacionais e muitos camponeses fugiram para as cidades atrás da segurança, o que aprofundou mais ainda a crise da indústria de base, corroendo por completo a estrutura econômica do império. A estabilidade política ter sido retomada em 268 com um golpe de estado da junta do Danúbio, que pôs o imperador Galiano no poder e fez uma “limpa” nos intriguistas do senado.
Os efeitos da crise econômica ainda seriam sentidos por séculos, principalmente no bolso dos mais pobres e dos soldados. Com a inflação correndo solta, o poder de compra do cidadão foi devastado, assim como a capacidade do Estado de pagar a funcionários públicos: os antes bem-remunerados soldados, por exemplo, tiveram seu pagamento reduzido a tal ponto que ele garantia pouco mais que sua subsistência. Isso fez com que poucos jovens buscassem uma carreira militar, e os imperadores tinham agora que depender de conscrições (num exército antes formado por voluntários) e recrutamento de bárbaros.
Os Hunos
E um uma nova ameaça na fronteira chega ao mundo germânico, um povo nômade vindo da Ásia Central nas suas andanças, despontando no leste da Ucrânia e se estabelecendo inicialmente de forma pacífica. Não se sabe se houve algum evento em particular que causou a sua imigração ou se foram meramente as andanças típicas de nômades que os levou até lá. Na verdade, sequer se sabe com certeza quais são as origens dos hunos. E eles avançaram…
Um dos fatos mais curiosos sobre os hunos que assolaram a Europa é que, apesar de toda a fama que eles ganharam pelos seus feitos militares, muito pouco é conhecido sobre a cultura deles.
As tribos góticas que habitavam a Ucrânia e a Romênia já haviam formado um império grande e poderoso no passado, mas uma guerra civil que se arrastou por anos entre duas tribos, os ostrogodos e os visigodos, havia os enfraquecido e os deixado vulneráveis a ameaças externas.
E, os primeiros no caminho dos hunos foram os ostrogodos. Seu rei Ermanerico montou uma resistência corajosa, conseguindo segurar os invasores por um tempo, mas logo ele se tocou que os hunos eram fortes demais para serem detidos. Tomado por desespero ao ver a ruína do seu povo à frente, ele se suicidou.
A maioria dos chefes tribais escolheu se submeter aos hunos, enquanto alguns fugiram para o oeste sob os chefes Alatheus e Saphrax, tomando refúgio com os seus primos visigodos e decididos a ajudá-los a resistir.
Os visigodos eram os próximos no caminho: o rei Atanarico mandou batedores acompanharem o exército huno enquanto ele reunia o exército e marchava para o leste. Porém, é possível que ele tenha subestimado a esperteza e talento bélico deles. Os hunos despistaram os batedores fazendo uma travessia fluvial noturna e adentraram em território visigótico despercebidos, caindo com tudo sobre a retaguarda do exército real e massacrando boa parte dele.
Desesperados com o avanço da horda inexorável de invasores e aterrorizados com a sua reputação de brutalidade e contos de suas chacinas de civis, muitos visigodos abandonaram as suas terras e fugiram para o sul.
Em 376, menos de 10 anos após os hunos começarem o seu avanço inexorável pela Europa, três povos haviam sido derrotados, e 200 mil godos sob a liderança dos chefes ostrogodos no exílio e do visigodo Fritgern, entre mulheres, crianças, idosos e guerreiros, atravessavam o Danúbio pedindo abrigo aos romanos.
Iniciando a grande migração
O co-imperador Valente, então responsável pela parte oriental do império, decidiu receber os refugiados, porém, os governadores romanos locais cometeram uma série de erros com os visigodos: com medo, tiraram-lhe as armas.
Funcionários corruptos vendiam comida estragada por altos preços e esnobavam visigodos. As terras dadas a eles estavam entre as mais áridas da Mésia (Bulgária). O mal tratamento dentro do império era enorme e, ultrajados, ele se revoltaram dentro de dois anos, lançando uma série de ataques e saques dentro da Mésia e dos arredores.
Durante uma das investidas mais ousadas, contra Adrianópolis, a meros 160km de Constantinopla, os guerreiros visigodos foram interceptados pelo exército romano oriental, liderado pelo próprio imperador Valente, que lançou uma ofensiva contra o acampamento bárbaro.
Os dois exércitos tinham números similares, com os godos com forças um pouco inferiores: 15 mil godos contra 20 mil veteranos de guerra romanos. Porém, a fama de grandes guerreiros dos visigodos provou não ser exagerada: mesmo em número menor, os defensores do acampamento seguraram o ataque romano por um bom tempo.
Valente cometeu dois erros estratégicos: o primeiro ao decidir não esperar por reforços que estavam a alguns dias de distância, e outro ao simplesmente presumir que os guerreiros dentro do acampamento representavam toda a força visigótica: boa parte do exército inimigo estava montado e saqueando os arredores, e logo se reagrupou e voltou ao acampamento, lançando uma carga fulminante pelas costas do exército romano.
O próprio co-imperador morreu nesta batalha: seu substituto Teodósio, antes governador da Mésia, também provou-se incapaz de infligir uma derrota rápida aos visigodos, e logo a prudência e o acordo prevaleceram sobre a força das armas: terras melhores no norte da Grécia foram cedidas aos visigodos, que não foram mais molestados. Os romanos passaram a pagar tributo, e eles passaram a proteger o Danúbio contra outras tribos.
O caso dos visigodos pode ser considerado como o evento exemplar perfeito do que se sucedeu ao longo das próximas décadas por todo o império: refugiados germânicos, tentando sair da frente da horda húnica e da trilha de destruição que eles deixavam por onde passavam faziam o possível e o impossível para entrar dentro de território romano, fosse pela diplomacia, fosse pela força.
Em muitos casos, um consenso foi alcançado… Mas em outros, desconfiança mútua e quebra de acordos levou a banhos de sangue.
Teodósio a era de ouro da Patrística
Após o imperador Valente morrer nas mãos dos guerreiros godos no desastre militar em Adrianópoles em 378, Teodósio, o governador da Mésia, assumiu o seu lugar. Após alguns anos tentando, sem sucesso, derrotar os visigodos que estavam devastando a península balcânica, ele decidiu consertar o erro do seu predecessor e pedir pela paz, retomando os termos do antigo tratado, mas concedendo terras melhores na Grécia e aumentando a fiscalização para impedir novos abusos de autoridade da parte da elite romana local, finalmente pondo fim ao conflito.
Tendo resolvido esta questão, o imperador Teodósio pode se dedicar novamente à política interna, que veio a ocupar a maior parte dos 17 anos do seu reinado. Um cristão fervoroso, a maior marca do seu governo foi um forte patrocínio do cristianismo, talvez também por motivos políticos, dado que a sociedade romana do século IV estava dividida internamente por questões religiosas, com o cristianismo já bem-estabelecido e em ascensão, mas com o paganismo greco-romano ainda sendo seguido por fatias substanciais da população rural e parte da elite senatorial.
O seu governo foi a era de ouro da Patrística, com nomes do calibre de Agostinho de Hipona (o famoso bispo-filósofo africano) e Jerônimo da Dalmácia (que traduziu a Bíblia para compor a Vulgata), além de outras figuras menos conhecidas, como o poeta Paulino de Nola e os irmãos teólogos Basílio de Cesaréia e Gregório de Nissa.
Com os seus esforços de elaborar o cristianismo num formato mais similar ao da filosofia greco-romana e tomando forte inspiração no neo-platonismo, tais obras não só formaram a base da filosofia medieval por muito tempo, mas numa visão mais imediatista, também ajudaram a tornar a nova religião mais palatável à elite e à classe intelectual romana.
Mas os esforços de Teodósio de cristianizar o império segundo o molde do recém-criado catolicismo não foram recebidos sem resistência: na parte oriental do império, muitos bispos ainda defendiam as ideias de Ário de um Cristo humano, descartadas anteriormente no Concílio de Nicéia, movimento que ganhou ainda mais força quando Ulfila*, um capadócio germanizado, introduziu o cristianismo ariano entre os góticos.
*Ulfila realmente tem uma história formidável: nascido capadócio e sendo criado por godos após ser escravizado durante a revolta, ele aprendeu a língua e cultura daquele povo antes de fugir. Sendo introduzido ao arianismo e consagrado bispo posteriormente, ele voltou para pregar para o povo que antes havia o escravizado, de forma similar a São Patrício. Mais impressionante ainda que a sua capacidade de oratória, capaz de converter a maioria dos godos em uma geração, era a sua inteligência: ele chegou a criar um alfabeto baseado no grego para traduzir a Bíblia para o seu rebanho, dando aos germânicos o seu primeiro sistema de escrita avançado.
Em outro capítulo menos brilhante do seu governo, Teodósio também teria declarado legalmente que todas as outras religiões eram falsas num edito de 410. Apesar de aparentemente inócuo, tal lei implicava no fechamento de todos os templos pagãos, embora ainda fosse permitido a sua prática privada, e o fim da política de tolerância religiosa inaugurada por Constantino.
Seja por devoção, por uma motivação política em querer a unidade religiosa do império ou por uma mistura dos dois, Teodósio provou ter poucos escrúpulos em relação aos métodos usados para cumprir tal objetivo. Paradoxalmente, o imperador viria a sofrer a sua maior humilhação nas mãos da própria Igreja: em 390, o magíster militar Buterico, o comandante visigodo da guarnição de Tessalônica, prendeu um piloto de biga famoso por tentar estuprar um copeiro.
Indignada com a ideia de um bárbaro prender um romano, ainda mais uma celebridade, a população da cidade teria se revoltado e matado várias autoridades, incluindo o próprio Buterico, e expulsado a guarnição (além de presumivelmente libertarem o preso). Indignado com a revolta, Teodósio teria ordenado contra os rebeldes. Em pouco tempo a cidade foi tomada e saqueada, com muitos inocentes sendo mortos pelos germânicos em frenesi durante o saque.
Quando notícias do massacre chegaram em Milão relatando a morte de até 7 mil civis, o bispo local, Ambrósio, teria ficado furioso ao ponto de exigir que o imperador pedisse perdão publicamente sob pena de excomunhão. A pressão exercida por Ambrósio sobre o imperador não era pequena, além do terror natural que qualquer cristão tem da ideia de excomunhão, Ambrósio era bispo da capital romana, e detinha grande prestígio como mentor de Santo Agostinho.
Pouco tempo depois Teodósio tenha pedido perdão na catedral de Milão despido das insígnias de poder e vestido como um plebeu e tal ato é mais um atestado da nova influência da Igreja do que da devoção do homem.
O ato mais polêmico do imperador foi, certamente, a sua divisão do império entre os seus filhos no seu leito de morte, em 395, divisão que acabou por se tornar permanente e contribuir enormemente para a futura queda da parte ocidental: não só ela era agora comandada por um garoto de 10 anos, agora ela não mais poderia contar com os recursos da parte oriental para se defender.
No final das contas, o governo de Teodósio deixaria um legado doce-amargo que viria a afetar o decorrer da história de toda a Europa Ocidental: ele seria lembrado ao mesmo tempo como um patrono da filosofia e um político habilidoso, e como um governante inescrupuloso que contribuiu indiretamente para a ruína da própria Roma ao legar metade do império a uma criança.
Apesar de tal visão não ser unânime, a maioria dos historiadores considera que o catolicismo surgiu após o Concílio de Nicéia, em 325, com o cristianismo primitivo tomando um formato mais formalizado e hierárquico sob o patrocínio do imperador Constantino.
Flávio Estilicão
Roma estava enfraquecida criticamente por lutas internas e com as suas terras cobiçadas por muitos, ela continuava se arrastando, ainda com tamanho e força para espantar os predadores.
Não que guerras civis ou intrigas fossem novidades para ela: a própria origem de Roma está entrelaçada na lenda com a disputa fratricida entre Rômulo e Remo. Desde os seus primórdios, Roma era liderada pelos grandes, e destroçada pelos gananciosos: mas após a morte de Teodósio, ela era liderada por um garoto imperador que pouco se importava com os negócios públicos, com os gananciosos estando tão presentes quanto nunca.
Teodósio colocara dois de seus homens de confiança para auxiliar cada um dos herdeiros: o político aquitânio Rufino, auxiliando Arcádio no Oriente, e o general meio-vândalo Flavius Stilicho auxiliando Honório no Ocidente: o homem viria a entrar para a história como Flávio Estilicão**.
**Filho de um guerreiro vândalo com uma romana, Estilicão tinha um histórico militar brilhante: tendo começado como soldado raso, galgou as fileiras até alcançar o posto de magister militum (general), e liderou com sucesso uma investida contra a Pérsia quanto na guerra civil romana de 93-94.
Enquanto as tropas orientais estavam presas na Síria e Anatólia repelindo incursões dos hunos, Estilicão liderou as mesmas legiões que lutaram em Frigidus contra os visogodos, os derrotando na Trácia e os perseguindo até a Grécia, quando Rufino, com quem ele tinha uma grande inimizade, ordenou que ele poupasse os visigodos. Estilicão obedeceu à contragosto, enquanto Rufino negociava com os visigodos… Mas tal decisão enfureceu os soldados, que suspeitavam que ele estaria tramando com os godos, e ele acabou morto pelas próprias tropas, com algumas línguas ferinas sugerindo que Estilicão estaria por trás do assassinato.
Após alguns episódios, Estilicão havia derrotado os visigodos novamente e fez um acordo com o seu rei: mas parecia que o Destino decretara que os tempos de paz para Roma teriam dado o seu último suspiro junto com Teodósio.
Meros dois anos depois da derrota dos visigodos, uma nova ameaça surgia no norte. Pressionados pelas investidas incansáveis dos hunos, que se arrastavam cada vez mais para o Oeste deixando um rastro de destruição desde a derrota que marcara o início do exílio dos góticos 20 anos atrás, as tribos da Germânia, antes contentes com os eventuais saques de fronteira, se viram pegas entre o flagelo huno e a fronteira romana.
E se o nome e reputação de Roma e de suas legiões ainda impunha respeito, isso não era nada comparado com o terror cego que os cavaleiros das estepes inspiravam nos seus inimigos: de aparência bizarra e maneiras consideradas animalescas e brutais por muitos de seus vizinhos, incluindo os próprios germânicos, eles eram considerados bárbaros mesmo entre bárbaros, mas as suas maneiras e rastro de destruição apenas acrescentavam ao terror que a sua imensa capacidade militar já impunha, fazendo com que quase qualquer um preferisse fugir a enfrentá-los.
Por isso, não é muito surpreendente que quando eles chegaram ao oeste da Germania, a maior parte das tribos locais tenham escolhido se submeter a eles sem uma luta, com os poucos que ainda tinham estômago para uma luta formando uma confederação e avançando em números gigantescos para a fronteira romana.
Na segunda metade de 405, perto do final da temporada de campanha, as guarnições romanas dos Cárpatos foram surpreendidos por uma visão que deve ter parecido surreal: 100 mil pessoas avançando pela terra selvagem em meio aos ventos cortantes. Reunidos principalmente dentre vândalos, cujo rei os liderava, refugiados alanos que teriam sido incorporados por eles e suevos, a horda liderada por Radagasius certamente era uma visão impressionante pelo seu mero número. Tal exército varreu a Ilíria romana sem dificuldades, saqueando várias cidades e causando a evacuação de muitas outras.
Tendo esgotado o saque da região e ainda estando perto demais da fronteira, com os hunos palmilhando as planícies logo além, os germânicos logo seguiram para o sul, cruzando os Alpes e adentrando na Itália. Contando com apenas 15 mil homens no exército de campo italiano, Estilicão teria preferido não se arriscar em combate aberto: o que possa parecer uma atitude covarde, considerando que ele estaria lutando em casa e contra uma força armada só um pouco maior, mas se torna bem mais compreensível ao considerar o custo terrível que uma derrota, ou até mesmo uma vitória custosa, teria, além da possibilidade dos civis da horda montarem milícias para auxiliar os guerreiros em batalha.
Por isso, a tropa de Estilicão teria decidido abandonar o norte da Itália e recuar mais para o sul enquanto aguardavam reforços das legiões do Reno, dos visigodos de Saurus e de aliados alanos. Isso deu meio ano para Radagasius circular livremente devastando o norte da Itália… Mas também deu tempo para Roma juntar, entre legionários e aliados, 30 mil homens.
Apesar do imenso sucesso inicial da sua invasão, a confederação germânica cometeu dois grandes erros: o primeiro teria sido aproveitar mal o grande espaço de tempo desimpedido que tiveram, parando para saquear em vez de avançar para destruir os vários grupos do exército romano separadamente. O segundo, talvez tão grave quanto, foi investir contra as defesas bem-fortificadas de Florença quando decidiram prosseguir para o sul. Nada mais nada menos que 1/3 da tropa morreu nos assaltos a cidade. O antes orgulhoso rei, que costumava se gabar que iria sacrificar os senadores romanos à Odin e queimar Roma, agora fugia em um terror indigno, perseguido pelos romanos e com os seus próprios homens se revoltando.
A campanha foi uma vitória esmagadora para os romanos: 12 mil guerreiros germânicos capturados foram alistados nas legiões, dezenas de milhares de escravos foram capturados como espólios de guerra e o pretenso conquistador de Roma fora executado publicamente.
Invasões bárbaras
Depois de Estilicão ter derrotado três grandes invasões bárbaras em menos de 10 anos, era de se imaginar que Roma fosse ter algum descanso… Mas ela havia se mostrado vulnerável, e os predadores não iriam se esquecer disso. Por três vezes os romanos repeliram invasões bárbaras, mas por três vezes estiveram à beira do desastre, e por duas quase perderam.
Com uma horda gigantesca de alanos, suevos e vândalos devastando a Itália, era de se imaginar que seria seguro tirar as guarnições da fronteira do Reno para ajudar a repelir a invasão, com todas as tropas inimigas estando comprometidas lá… Mas não foi assim. Ainda havia mais um exército logo além da fronteira do Reno, desconhecido pelo general, que estava com a sua mente ocupada por Radagasius.
E, na última noite de 406, ele cruzada o Reno congelado sob a cobertura da escuridão, avançando fundo na Gália sem oposição. Os rebeldes ficaram ousados o bastante para desembarcar na Gália, se aproveitando do caos, para fazer valer a reivindicação do seu líder ao trono.
“Vejam como a morte cai rapidamente sobre o mundo e quantos povos foram atingidos pela violência da guerra. Alguns servem de comida aos cachorros; outros foram mortos pelas chamas que consumiram suas casas. Nas vilas e nas fazendas, nos campos e nas estradas, por toda parte – morte, dor, destruição, fogo e lamentação. A Gália inteira queima numa grande pira funerária.”-Bispo Orêncio, poeta romano
Recuperar a Gália pela força bruta logo provou-se inviável: uma força foi despachada para o norte sob o comando de Sarus, o visigodo, até conseguindo uma vitória importante no começo da campanha, mas logo foram forçados a recuar de volta para a Itália.
Estilicão ordenou que os Alpes fossem selados, isolando temporariamente a ameaça enquanto negociava com os visigodos de Alarico por apoio. Mas as coisas não correram como esperado: Alarico exigiu uma quantidade absurdamente grande de ouro como tributo por apoio, e ameaçou voltar-se contra Roma caso as suas exigências não fossem atendidas.
O Senado, tremendamente ofendido, favoreceu inicialmente uma guerra contra os visigodos, até Estilicão os persuadir, a grandes custos, de que o apoio deles era indispensável para a contenção de danos. Porém, os senadores ainda não estavam nem um pouco satisfeitos com isto, e culpavam o próprio Estilicão pelo desastre da perda da Gália.
Porém, desta vez o general havia forçado demais a boa vontade dos senadores, e gastado capital político demais para sustentar a sua posição perante seus inimigos. E eles não eram poucos: toda uma facção dentro do Senado, e até mesmo o próprio imperador Honório, agora um jovem adulto que temia que o general que o ofuscava desse um golpe de Estado.
Em Maio de 408, após a morte do imperador Arcádio, rumores começaram a circular que Estilicão pretendia usurpar o trono do Oriente para o seu filho. Alguns meses depois, no 13 de agosto, ocorreu um motim entre as suas tropas em Ticinium que acabou com 7 membros do seu alto escalão morto e ele próprio escapando para Ravena por pouco.
E, por fim, com ele próprio sendo preso e poucos dias depois executado junto com o seu filho. O que seria lembrado como um dos maiores erros políticos da história romana. Pouco após a morte de Estilicão, uma série de pogroms contra germânicos assentados na Itália, com o povo descontando a sua frustração pela perda da Gália nos “bárbaros” que viviam entre eles. Nem mesmo mulheres e crianças foram poupados, e o imperador fez pouco mais que assistir.
Não surpreendentemente, havia um exército gótico acampado nos portões de Ravena antes do final de Setembro. A cena que veio a se desenrolar foi tragicômica: os visigodos montavam cerco à própria Roma, com seu rei exigindo um tratado de paz permanente (em vez das tréguas acertadas anteriormente) e direitos de se assentar em território romano, enquanto o imperador Honório se contentava em “dar de doido” e negar todas as propostas enquanto simplesmente esperava que eles fossem embora, da segurança de seu palácio em Ravena.
Isso se arrastou por dois anos e quatro propostas recusadas: em meados de 410, a plebe já passava fome, e havia relatos de canibalismo dentro da cidade. Mas o imperador ainda estava em negação, acreditando que os visigodos simplesmente desistiriam se ele esperasse tempo o bastante…
E após uma última proposta recusada, Alarico montou um assalto aos portões da cidade que penetrou fundo nas defesas e conseguiu tomar a cidade, permanecendo nela por 3 dias enquanto saqueava tudo de valor e saindo com um saque riquíssimo e, mais tarde, o tributo enorme de 2,3 toneladas de ouro e 14 toneladas de prata por uma paz permanente, carregando tudo que podia ser carregado e causando danos pesados ao distrito palaciano.
Era a segunda vez que Roma caia perante um ataque bárbaro, e a primeira em quase oito séculos: tal humilhação abalou o mundo, e é amplamente considerada como um dos marcos iniciais da decadência do império. A impressão geral dentro do Império era de uma atmosfera de fim de mundo pairando sobre eles.
E, apesar do saque de Roma por si só ter pouco valor material além de ter deixado o rei visigodo rico, usar tal marco não é inteiramente errado: os eventos em Roma só foram ocorrer por causa do desastre militar na Gália. E naquela noite de inverno em 406, a fronteira romana fora rompida por invasores, para jamais ser restaurada.
Obrigada!
Fontes e Créditos Queda do Império Romano: Texto de Carlos Schwambach, utilizado (adaptado para resumo) com a gentileza da autorização da página no Facebook Repensando a Idade Média (facebook.com/RepensandoMedievo). O melhor conteúdo sobre história medieval.
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